Autora: Sangita Iyer
Ideias centrais:
1 – No livro, a autora relata o making of de seu documentário “Gods in Shackles”, que denuncia os maus tratos a elefantes usados em festivais religiosos na Índia;
2 – Há semelhanças entre o comportamento dos elefantes e o das pessoas, como a sociabilidade, o cuidado com os mais fracos, a resiliência e a suscetibilidade a traumas psicológicos;
3 – Apesar da sociedade ainda tolerar maus tratos aos animais, a autora reforça que o ser humano é intrinsecamente bom, mas precisa ampliar sua compaixão a outros seres;
4 – Ao narrar o making of do filme, a autora conta sua própria história de resiliência, pois enfrentou obstáculos de sua própria cultura para realizar o projeto.
Sobre a autora:
Sangita Iyer é jornalista, escritora, bióloga e cineasta. Dirigiu o documentário “Gods in Shackles” e é fundadora da entidade Voice for Asian Elephants Society, em defesa dos elefantes da Índia.
Introdução – Uma canção compartilhada
A nossa espécie não pode sobreviver a uma era de isolamento e narcisismo. É necessário ter em mente os princípios de empatia e reciprocidade, para que possamos superar esse momento de colapso da biodiversidade, ameaça de pandemias e variação climática.
Capítulo 1 – Em uma fração de segundo
Quando eu estava na fase de divulgação do meu documentário “Gods in Shackles”, na Índia, um elefante me derrubou por acidente e tive diversas fraturas na perna. Passei por cirurgia e vivi um período de vulnerabilidade e dificuldades de locomoção. Com isso, precisei confiar na ajuda de amigos, familiares e desconhecidos, o que me fez perceber que o ser humano é intrinsecamente bom.
Além disso, percebi que essa fatalidade, que levou segundos para acontecer, mudou minha vida para sempre. Eu poderia focar no amadurecimento interior e tive insights profundos sobre o destino dos elefantes maltratados de Kerala, minha terra natal.
Capítulo 2 – Aprendendo a curar
Construí minha carreira no Canadá como repórter de pautas ambientais, ao mesmo tempo em que me afastava das intromissões da família na Índia. Ao produzir meu documentário sobre as condições precárias pelas quais os elefantes passavam para fazerem parte de festivais e eventos indianos, fiquei fascinada pela sociabilidade desses animais, ao mesmo tempo em que não notava o meu próprio isolamento.
Assim como nós, os elefantes gostam de viver em grupos e se comunicam de diversas formas, principalmente pelo toque. Além disso, parecem uma grande família, em que os mais velhos priorizam o cuidado para com os filhotes.
Após o meu acidente, percebi que além de curar o corpo, curava esse aspecto da minha personalidade, pois estava mais próxima dos meus familiares geograficamente e recuperamos nossos laços. Eu, que sempre fui uma pessoa independente, tive que me permitir ser cuidada por eles.
Capítulo 3 – As sincronicidades guiam o meu caminho
Na recuperação, tive fases de autopiedade, pensando no motivo disso ter acontecido justo comigo. E como senti solidão e isolamento, até valorizar de verdade as pessoas que me visitavam, já que eu estava com a mobilidade reduzida e não tinha tantas oportunidades de socializar.
Pensei, então, no caso dos elefantes que suportam torturas no treinamento para os templos religiosos. Eles também passam por isolamento, perdem o direito de ir e vir, e isso é devastador para seres tão sociais.
Lembrei do caso de um elefante resgatado em Kerala, que se recuperou mal da sedação e mesmo assim encontrou forças para retornar à floresta, de tão importante que deveria ser a liberdade e o reencontro com os seus.
Capítulo 4 – Surge um sentido de missão
De acordo com o Censo dos Elefantes (2007 – 2014), criado por Paul Allen, um dos fundadores da Microsoft, há aproximadamente 40 mil elefantes asiáticos, 60% deles na Índia. Por outro lado, 2,5 mil deles estão vivendo em cativeiro, concentrando-se nos estados de Assam, Kerala, Tamil Nadu, Rajasthan e Gujarat.
Ao mesmo tempo em que a densidade populacional do elefante asiático diminui na Índia, a de pessoas aumenta a níveis altíssimos, o que demanda mais terras para a agricultura e, consequentemente, diminui o habitat natural dos elefantes.
Em ambientes urbanos, esses animais são sujeitos a serem usados por templos para festividades religiosas, passando por traumas físicos e psicológicos. Isso chega a ser irônico, já que a espécie é venerada no hinduísmo. Com isso, surgiu a vontade de me unir a outros indianos que têm o objetivo de denunciar abusos e salvar elefantes do país.
Capítulo 5 – O desdobramento continua
Acompanhei tratamentos veterinários e adquiri mais conhecimentos sobre as torturas pelas quais os elefantes sofrem. As correntes usadas para limitar seus movimentos, por exemplo, machucam seus membros e deixam cicatrizes profundas. E, principalmente durante os festivais, para que não sujem os percursos, ficam privados de água e comida por muitas horas. Outra prática cruel é utilizar pesos nos órgãos genitais, para conter os impulsos naturais, o que também ocasiona ferimentos e atrai parasitas.
Uma prática bárbara, considerada sagrada, é o ritual Katti Adikkal, em que elefantes são torturados por grupos de homens por longas horas, sob a alegação de que assim ficariam com o espírito mais obediente.
Infelizmente, mesmo intelectuais defendem a utilização desses animais para festividades religiosas, pois é uma tradição muito forte. Combater isso é como um suicídio social ou político. Mas há pessoas dispostas a percorrer essa estrada da cura.
Capítulo 6 – Conhecendo minha alma gêmea
Observei uma elefanta que vivia em cativeiro, mas não era exatamente torturada. Lakshmi era um animal dócil e não tinha marcas de machucados, embora apanhasse em alguns momentos. Tracei um paralelo com a vida na Índia, já que, culturalmente, os pais batem nos filhos, mas dizem fazer isso por amor.
Quando criança, eu tinha medo do meu pai, que havia se tornado uma pessoa difícil de lidar após sofrer um acidente de moto, durante sua carreira militar. Depois de adulta, passei a compreender melhor as vivências que moldaram sua personalidade, além de reconhecer as coisas boas que ele fazia pela família.
Capítulo 7 – Aprendendo a deixar ir
Com as questões que presenciei, iniciei meu projeto de documentário, arrecadei dinheiro e fui para Kerala para filmar os festivais religiosos que utilizam elefantes. Nessas ocasiões, os animais não são alimentados devidamente e seguem uma rotina de trabalhos forçados.
Reencontrei a elefanta Lakshmi e observei sua rotina num festival. Enquanto na floresta os elefantes costumam passear por mais de 16 horas por dia, em áreas vastas e com vegetação, nos templos eles devem ficar muito tempo em espaços limitados, com pouca mobilidade, num chão inadequado para sua anatomia.
Capítulo 8 – A abominação do Thrissur Pooram
O festival Thrissur Pooram representa um sofrimento a mais para os elefantes. No transporte por caminhão até a cidade, vários podem cair e sofrer injúrias incuráveis, além de passarem por privações de alimentos e higiene. A festividade também utiliza fogos de artifício com barulhos altíssimos, inadequados à audição sensível desses animais.
Vários dos elefantes que participam já estão idosos e cegos, sofrendo de doenças geriátricas, o que teoricamente seria ilegal. Cheguei a ouvir rumores de que alguns dos animais também eram drogados para acompanhar o ritmo intenso do evento.
Os organizadores alegam que a exploração dos elefantes é uma prática religiosa, mas o hinduísmo prega a compaixão e a não violência com os seres vivos.
Capítulo 9 – As minhas aventuras selvagens
Fui a Bangalore para ver como os elefantes vivem na floresta, sem intervenções de tutores. Pude presenciar como eles gostam de viver em grupos e proteger seus núcleos familiares, especialmente os filhotes.
Eu gostaria que os seres humanos se comportassem como esses animais em seu habitat, coexistindo harmonicamente com outras espécies.
Nos ambientes urbanos, porém, os elefantes vivem como escravos e perdem sua essência, passando por traumas semelhantes aos vividos por pessoas que foram privadas de direitos ao longo da História.
Capítulo 10 – A saga lamentável de Sundar
Durante a arrecadação de fundos para o filme, conheci a história de Sundar, um elefante que vivia acorrentado embaixo de sol, era torturado por ferramentas afiadas e obrigado a “abençoar” quem fizesse doações a um templo. As condições dele eram tão lamentáveis que chamaram a atenção de várias entidades, como a mundialmente conhecida PETA (Pessoas pelo Tratamento Ético aos Animais). Um vídeo com ele chegou a se tornar viral nas redes sociais, o que influenciou a opinião pública.
Após muita pressão (inclusive de celebridades como Paul McCartney) e processos na Justiça, o animal finalmente foi transferido a um santuário.
Capítulo 11 – Montando o filme
Depois de reunir todas as filmagens e entrevistas, recrutei um time de talentos para a pós-produção do filme.
No Canadá, acompanhei a fase de edição do documentário, mas ainda teria que ir para a Índia passar pela fase de checagem. Nesse momento, eu poderia ser criticada severamente e ter que reeditar todo o material.
Capítulo 12 – Aliados dos elefantes
Na minha volta à Índia, visitei a elefanta Lakshmi, que agora passava por maus tratos mais intensos. Ela ficou parcialmente cega após uma surra e não recebeu tratamento adequado.
Porém, também tive boas surpresas no país, ao perceber que alguns dos meus entrevistados para o documentário estavam cada vez mais atuantes na causa animal. Suparna, uma fonte com quem eu havia conversado em Bangalore, chegou a mover uma ação na Suprema Corte contra os estados indianos que exploram elefantes.
Capítulo 13 – Os elos perdidos cruciais
Para a realização do documentário, tive a oportunidade de entrevistar dois ativistas muito especiais: a poetisa Sugathakumari e o sacerdote Akkeramon Kalidasan.
Sugathakumari, que em seus poemas evoca a importância da ecologia e de outras causas, e que mantém um abrigo para mulheres, ofereceu ajuda com a narração do filme.
Já Akkeramon Kalidasan explicou que as pessoas subvertem as escrituras sagradas ao maltratarem animais para eventos religiosos.
Capítulo 14 – As noites escuras da minha alma
Os elefantes fazem cruzamentos forçados em cativeiro, para aumentar o lucro dos tutores, e é possível fazer um paralelo entre o tratamento reservado às fêmeas e a situação das mulheres indianas.
Estupros na Índia escandalizam o mundo todo e há um desequilíbrio populacional devido ao enorme número de abortos de fetos do sexo feminino – com a quantidade menor de garotas em idade para casar, existe um verdadeiro comércio de noivas entre as famílias. Já as fêmeas de elefantes são exploradas para reprodução e são a maioria da população da espécie, pois os machos são mortos para extração do marfim ou após serem maltratados para fins religiosos.
Capítulo 15 – Os vales e os picos
O processo de pós-produção foi exaustivo, com interrupções por falta de verba e a equipe trabalhando por longas jornadas. Mas finalmente, com a ajuda de doações e de editores talentosos, o documentário “Gods in Shackles” finalmente ficou completo em 21 de maio de 2016.
Creio que a minha parte foi mais de seguir do que liderar a equipe, e que as forças divinas também atuaram no projeto, protegendo cada etapa.
Capítulo 16 – O lançamento do filme
Antes do lançamento, passamos pelo desafio de obter as aprovações necessárias do governo indiano. A censura de filmes do país é considerada uma das mais restritivas do mundo, por isso superar essa etapa foi aliviante.
Em seguida, inscrevi o filme em diversos festivais internacionais. Para minha surpresa, o documentário foi reconhecido até em um evento da ONU, em Nova York. Outra tarefa árdua foi encontrar distribuidoras para que o material fosse mostrado ao público, tendo divulgação e sua estreia em Los Angeles.
Capítulo 17 – Milagres na Índia
Ao iniciar a divulgação na Índia, sofri cyberbullying, fui caluniada e recebi ameaças anônimas. Afinal, o filme era uma ameaça para donos de elefantes, veterinários corruptos e administradores de templos por expor a verdade sobre a exploração desses animais.
Porém, conforme o filme era exibido e divulgado, também recebi apoio de políticos e ativistas, participei de programas de televisão e percebi que conscientizei muitas pessoas sobre a causa.
Capítulo 18 – Mudar a dinâmica familiar me empodera
Durante a divulgação na Índia, pude conviver mais com a minha mãe e melhoramos a nossa relação. Em pouco tempo, passamos a interagir como se fôssemos velhas amigas. Admirei seu estilo de vida simples e sua religiosidade profunda.
Tive, também, boas surpresas com a quantidade cada vez maior de simpatizantes da causa animal, que me apoiaram nas redes sociais e pessoalmente. Inclusive, a mobilização de ativistas me ajudou a levantar mais fundos, que foram destinados para a organização de mais exibições do documentário na Índia.
Capítulo 19 – Maravilhas abundam
Tive a oportunidade de divulgar o filme no Sri Lanka, onde também é comum a exploração de elefantes para fins religiosos. Os animais são submetidos a maus tratos em templos budistas – mais um caso de uma religião que prega a compaixão, mas tem a filosofia distorcida por alguns fiéis.
No país, também conheci ativistas e um projeto que resgata bebês elefantes e os prepara para retomarem a vida na floresta. É como uma habitação temporária, que reintegra gradualmente os filhotes ao habitat natural.
Capítulo 20 – Eu me tornei um elefante algemado
Eu sofri o acidente em uma visita no centro de reabilitação para elefantes de Kottoor. Um filhote traumatizado bateu em mim com a cabeça e caí com o impacto, o que ocasionou diversas fraturas na perna.
Com isso, pude perceber, na pele, um pouco da rotina desses animais: dores excruciantes, isolamento, locomoção limitada.
Ao mesmo tempo, percebi a solidariedade humana, com as pessoas que me apoiaram nesse processo. Inclusive, fui salva de um incêndio no hospital por desconhecidos que me carregaram.
Capítulo 21 – Nari Shakti Puraskar
Fui selecionada para o Nari Shakti Puraskar, que pode ser traduzido como Prêmio do Poder da Mulher. Trata-se da maior distinção dada a mulheres que fazem a diferença na Índia.
Por conta do evento, tive a oportunidade de estar com artistas, autoras, esportistas, empreendedoras, ativistas, entre diversas figuras brilhantes. Foi um grande privilégio estar cercada de mulheres maravilhosas, que seguiram os caminhos que seus corações definiram para suas vidas.
Capítulo 22 – Círculo completo
O ser humano tende a ser solidário com seu semelhante, mas é vital que tenha a mesma compaixão com o planeta e os outros seres vivos que o habitam. Abrir o coração para os princípios de não-violência pode desenvolver o amor e a gentileza. Vamos seguir o exemplo de Ghandi e de outras figuras históricas, que combateram a opressão de forma pacífica.
Ao expor o sofrimento dos elefantes, a minha mais sincera intenção era ajudar as pessoas a se libertarem de suas próprias algemas culturais, que podem causar dor a outros seres.
Ficha técnica:
Título: Gods in Shackles – What elephants can teach us about empathy, resilience, and freedom
Autora: Sangita Iyer
Primeira edição: Hay House, Inc
Resumo: Gisele Navarro
Edição: Monica Miglio Pedrosa