Na visão de Ann Rosenberg, VP sênior de desenvolvimento sustentável da Wood plc, é fundamental ter a governança guiada por um propósito
O tema ESG vem ganhando cada vez mais espaço na agenda corporativa e relevância junto a acionistas e demais stakeholders que compõem a cadeia de valor das organizações. Muito mais do que uma sigla, o tema é complexo e precisa ser compreendido em sua totalidade. Ou seja, os três pilares – ambiental, social e governança – caminham juntos e apenas assim pode-se falar em sustentabilidade.
O próximo Experience LAB US, que será transmitido em 15 de junho, terá como principal palestrante a dinamarquesa sediada em Nova Iorque Ann Rosenberg. Depois de 20 anos na SAP, ela assumiu a cadeira de vice-presidente sênior de desenvolvimento sustentável da Wood plc, uma das empresas líderes mundiais em consultoria e engenharia, nas áreas de energia e construção. Além disso, ela apoia várias iniciativas da ONU e organizações sem fins lucrativos, incluindo a Iniciativa de Governança do Clima do Fórum Econômico Mundial.
Em 2020, ela cofundou e lançou junto com o Pacto Global da ONU o programa SDG Ambition, que desafia e apoia as empresas a serem mais estratégicas e transformadoras na forma como conduzem seus negócios para cumprir a Agenda 2030 de sustentabilidade.
Confira os principais trechos da entrevista que fizemos com Ann.
1- O que é uma companhia aliada aos parâmetros ESG, segundo a ONU?
Em primeiro lugar, se você olhar para a jornada de sustentabilidade que as empresas têm pela frente, poderá abordá-la de muitas maneiras diferentes. Quando falamos sobre o ESG e seus parâmetros e ambições, o mais importante é que a estrutura de governança construída dentro de sua empresa transpasse toda a sua linha de negócios, guiada por um propósito. E nessa jornada de propósito, é claro, você deve alcançar todos os diferentes tipos de estruturas disponíveis. Portanto, se você olhar para os 17 objetivos globais terá uma estrutura incrível. Se você olhar para o documento ESG Ambition como uma tradução dos 17 objetivos globais, você verá novamente métricas e estruturas que você pode usar para a jornada da sua empresa. O mais importante é que você encontre uma maneira comum a todos de falar sobre propósito para que todos apóiem e compartilhem a missão e a visão da empresa.
2 – Como tem sido a experiência de trabalhar com a ONU, como funciona na prática a iniciativa “SDG Ambition”? É uma espécie de cartilha para as empresas seguirem?
Eu participei como cocriadora da iniciativa SDG Ambition juntamente com o ex-CEO do Pacto Global. Há seis anos eu me mudei para Nova Iorque pela SAP com o propósito de construir um complexo gigantesco de inovação. Então, eu me perguntei que tipo de centro de inovação era possível construir em uma cidade como Nova Iorque. Como uma pessoa nascida na Dinamarca, onde a ONU tem um espaço muito relevante, faz parte do meu DNA questionar, mesmo nas pequenas coisas, qual é o propósito do que estou fazendo. E com a inovação é o mesmo pensamento: qualquer modelo de negócio que disponha de soluções de tecnologia deve ser pensado e implementado para um mundo melhor. Então, eu me aproximei da ONU nos EUA, estreitando as relações de cooperação com o setor privado, especialmente com clientes SAP, por cinco ou seis anos. A minha missão era provocar as empresas a pensar que tudo o que elas criam e fazem deve ser feito para as pessoas, mesmo para aquelas que não são seus clientes diretos. Temos uma tendência a viver em nossas próprias bolhas e a não compreender que somos todos parte de algo maior e, portanto, todos nós temos responsabilidades de apoiar e ajudar este mundo a ser um lugar melhor. Resumidamente, a minha missão era a de combinar as responsabilidades da ONU com as do setor privado. Há uns três anos eu percebi que não tinha visibilidade de todo o trabalho que estava fazendo. Todo mês de julho há uma consolidação sobre o quanto os países e nações estão avançando na direção dos 17 objetivos globais definidos pela ONU. E percebi ali que não estávamos nos movendo na direção certa. Em alguns objetivos, estávamos até mesmo regredindo, e me questionei o porquê. Não bastava definir missão, visão, valores e se comprometer com um bom propósito, mas era preciso aterrissar tudo isso na espinha dorsal da empresa, nas áreas de processos de negócios. Isso significa dizer que quando você produz um produto, um serviço, quando você define seus processos de cadeia de suprimentos e de fornecimento, seus processos de aquisição, seu sistema de gestão de qualidade, não importa em qual setor você esteja atuando, os princípios ESG tem que ser colocados no centro do design de cada projeto.
[Ann ilustra a proposta de implementação do framework ESG descrita no documento SDG Ambition e fala sobre a importância do envolvimento do board das empresas]
Um dos primeiros desafios que surgem na implementação dos parâmetros ESG nas corporações se dá na mensuração e em como reportar os avanços na agenda proposta. Isso porque, alguns dados não eram mensurados. Não há um histórico para que seja possível medir a evolução deles. Por isso, agora muitas empresas estão começando a implementar um painel de dados atrelado às 17 metas globais.
3 – É possível notar em entrevistas com executivos da área de ESG nas companhias, que, em geral, as ações de implementação estão mais focadas no “E”, no “S” ou no ”G”. Ou, no máximo, em duas dessas letras, deixando a outra um tanto quanto abandonada. Como observa isso?
Quando falamos sobre a condução de uma empresa guiada por propósitos, estamos falando sobre a criação de um modelo de negócios em torno dos princípios ESG. Podemos dizer também que os problemas de hoje são os mesmos de anos atrás. O que estamos observando agora é que o ESG passou a ser mais do que uma forma de administrar nossos negócios e passou a ser o principal motivador de como administramos o negócio. E isso significa que estamos definindo a missão e a visão, a forma como medimos resultados e comunicamos tendo o propósito e a sustentabilidade no centro de tudo. Essa mudança de mentalidade acelerou nos últimos cinco ou seis anos.
[Ann fala sobre como a covid-19 pôs à prova a nossa capacidade de resiliência e de cooperação. Para ela, o movimento ESG acelerou de forma exponencial justamente por este contexto de pandemia.]
4 – Quais são as razões principais pelas quais você defende que a covid-19 acelerou a implementação de práticas ESG?
Esta situação foi inesperada para todos, independentemente de você estar no setor privado ou público, ou mesmo como ser humano. Ninguém sabia ao certo como sairíamos dessa. Passamos meses sem horizonte de quando viria uma vacina. Eu acredito que todos nós ingressamos numa jornada de reflexão sobre o que estamos passando. As empresas estão agora refletindo sobre como conduziram seus negócios por anos e percebendo que não são resilientes. Ao mesmo tempo, estamos nos dando conta de que somos capazes de cooperar e de firmar parcerias sólidas entre empresas, entre empresas e startups, entre empresas e governos, entre governos, entre países, cidades e até mesmo concorrentes atuando em colaboração. E isso está acontecendo em uma velocidade impressionante. Em um ano, vimos tantas disrupções em invenções e inovações. Agora temos a chance de replicar esses modelos de colaboração para enfrentar a crise climática ou qualquer outro propósito que tenhamos em comum como humanidade.
5 – No que diz respeito às questões de igualdade de gênero e maior participação feminina nas companhias, algumas ações e mecanismos, inclusive de mercado, vêm sendo utilizados para estimular esse movimento. Como você vê este ponto na agenda ESG?
A igualdade de gênero é como a crise climática, uma questão que existe há décadas. Temos uma grande lacuna de gênero em todo o mundo. Este é um assunto que esteve na agenda do último Fórum Econômico Mundial e é parte dos 17 objetivos globais da ONU. Nós vemos que as mulheres são as mais impactadas pela crise provocada pela covid e há uma grande discussão em como as mulheres serão reincorporadas ao mercado de trabalho no pós-covid. Sou otimista, assim como estamos vendo uma série de alianças e compromissos sendo feitos em relação à crise climática, a mesma coisa está acontecendo com a agenda de gênero. Estamos vendo que as empresas estão implementando programas sólidos, seja para colocar mulheres em cargos de chefia ou garantir a igualdade de remuneração entre homens e mulheres. O ponto aqui é como mensurar esses movimentos em prol da igualdade de gênero e, para isso, precisamos ser muito orientados por dados. Há muito o que ser feito no sentido de reconstruir a nossa noção de mundo. Se as mulheres estiverem à frente liderando essas mudanças, isso também ajudará a reduzir a diferença de gênero que ainda vemos no setor privado. Ao mesmo tempo em que nos concentramos em inserir mais mulheres em cargos de gestão, devemos festejar e promover as que já estão liderando essas mudanças.
Texto: Luana Dalmolin