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Doughnut Economics

Sete formas de pensar como um economista do século XXI, por Kate Raworth

Ideias centrais

1 – Mudança do PIB como meta de crescimento econômico: o século XXI terá um objetivo econômico muito mais ambicioso e global do que o mero crescimento. Os economistas, agora, devem pensar em modelos que satisfaçam as necessidades de todos os indivíduos no planeta, aumentando sua qualidade de vida sem estressar ao extremo os recursos naturais do planeta.

2 – A economia mundial deve estar integrada aos vários sistemas dos quais faz parte, reconhecendo que governos, a economia doméstica, ONGs, líderes locais, acadêmicos e demais instituições são interdependentes e contribuem de maneira circular para sua prosperidade mútua.

3 – O fim do desenvolvimento pelo desenvolvimento: a ideia de que desigualdades e degradação ambiental são um efeito colateral esperado e necessário para que riquezas sejam geradas e, posteriormente, distribuídas, é um erro. Na verdade, indivíduos precisam ser empoderados de modo a estarem aptos a contribuir para a geração dessa riqueza sem o prejuízo de suas necessidades básicas, de modo a não intensificar gargalos que freiam os ganhos brutos do crescimento econômico.

Sobre a autora

Kate Raworth é professora e pesquisadora das universidades de Oxford e Cambridge. Formada em economia, é reconhecida mundialmente por seu conceito de “economia donut”, um modelo econômico que busca o equilíbrio entre as necessidades essenciais humanas respeitando os limites naturais do planeta.

Quem quer ser economista?

Uma das definições de sustentabilidade econômica poderia ser “promover o lucro ao mesmo tempo em que se garante os recursos necessários, também, ao bem-estar da população atual e das próximas gerações”. É um desafio e tanto, com o qual a humanidade no século XXI se depara e para o qual inevitavelmente deverá proporcionar respostas contundentes.

Isto dito, temos diante de nós as teorias econômicas como as principais ferramentas para que líderes e formuladores de opinião possam mudar leis e propor novas políticas públicas que atendam às principais questões globais que se desenham para os próximos anos, algumas delas já resumidas dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU para 2030, como promover a erradicação da pobreza, a educação de qualidade, a expansão do fornecimento de saneamento básico e água potável, a redução das desigualdades, o consumo e produção responsáveis e o trabalho digno aliado ao crescimento econômico.

1 – A questão é: as teorias econômicas que se aprende nas universidades estão à altura deste desafio?

Esta é a grande questão trazida por Kate Raworth, que propõe uma revolução em nosso sistema econômico para que este vá ao encontro das necessidades das pessoas, dentro das capacidades do planeta em gerar estes recursos. E para fazer isto, a autora defende que devemos desenvolver novas teorias que se debrucem sobre os problemas econômicos reais que enfrentamos, propondo “as leis que têm de ser propostas, criando legislação e práticas como se acreditássemos verdadeiramente que vamos fazer isto ao invés de falarmos eternamente sobre os motivos pelos quais não conseguiremos fazê-lo”.

De maneira geral, a economia global deveria redefinir as leis que a regem. Para ilustrar seu pensamento, a autora usa como exemplo o sistema financeiro: este deveria relacionar-se da forma certa com o único conjunto de leis que não podemos mudar: a dinâmica do sistema da Terra.

Não controlamos o clima – podemos mudá-lo, mas não controlamos essa mudança –, não controlamos o ciclo da água, o ciclo do carbono nem o ciclo do oxigênio. São dados adquiridos do nosso planeta. Neste sentido, precisaríamos de redefinir todas as nossas instituições para que mantenham a relação certa com os ciclos do mundo vivo e para que sejam concebidas de forma distributiva.

2 – Mudar o objetivo: do PIB ao Donut

Logo no início, Raworth usa a história de uma estudante chinesa idealista que foi parar na faculdade de economia de Oxford buscando o conhecimento necessário para combater a desigualdade social e a degradação ambiental que assolam o planeta.

Mas ao iniciar seus estudos, se frustra, pois percebe que a maior parte do conteúdo das aulas em pouco têm a ver com a realidade, com uma série de pensamentos e teorias ultrapassadas de décadas anteriores dedicadas basicamente ao estudo de passados sem nenhum paralelo com as perspectivas futuras.

O drama desta estudante é o mesmo da autora quando ingressou na universidade em seu país, iniciando sua carreira na prestigiada organização não-governamental Oxfam, a qual é dedicada ao combate à desigualdade e injustiças sociais, passando por uma breve carreira no mercado financeiro norte-americano e em uma comunidade agrícola africana.

Inconformada com sua própria incapacidade de encontrar as ferramentas adequadas para responder os reais dilemas apresentados no final do século XX e começo do XXI, ela se dedicou à pesquisa de modelos que proponham uma nova abordagem ao tema.

Assim surgiu o modelo “donut”: um diagrama com dois círculos concêntricos que simbolizam respectivamente o piso social, abaixo do qual estaria a zona de pobreza e subdesenvolvimento humano, e o teto ecológico, acima do qual residem os fenômenos de esgotamento ambiental, como mudanças climáticas, desmatamentos, enchentes, poluição do ar e superexploração da terra.

Entre estas duas dimensões está o espaço seguro e justo para a humanidade, onde desenvolvimento e sustentabilidade convivem em harmonia.

3 – Analisar o quadro geral: do mercado autônomo a economia integrada

Na sequência, Raworth descreve os primórdios do neoliberalismo, sua gênese no final dos anos 1940, e a sedimentação de seus conceitos com as chegadas de Margaret Thatcher e Ronald Reagan ao poder no Reino Unido e Nos Estados Unidos respectivamente nos anos 1980.

A filósofa expõe o quanto o discurso do livre mercado e a promoção do Estado mínimo pautaram o pensamento econômico ao longo do século XX e continua permeando as diretrizes que conduzem o desenvolvimento das sociedades. Para ela, este modelo progressista sem freios ajudou a empurrar diversas sociedades rumo aos colapsos social e ecológico, sobretudo as de países em desenvolvimento.

Assim sendo, a autora propõe que esta dinâmica seja revista levando-se em conta a inserção da economia neoliberal em um contexto mais amplo, levando-se em consideração todos os sistemas complexos na qual está inserida.

Para ela, economistas devem pensar de forma colaborativa, valendo-se da criatividade dos bens de produção comuns (como o Wikipedia), valorizando os aspectos da economia doméstica na promoção de prosperidade a nível local e reconhecendo a importância de um ‘Estado parceiro’, sabendo que todos estes possuem uma relação de interdependência entre si e com o mundo vivo – a biosfera, por assim dizer.

4 – Estimular a natureza humana: do homem econômico racional a seres humanos sociais adaptáveis.

O século XX teve sua gênese intelectual a partir dos paradigmas positivistas de racionalidade e progresso. A ideia do self-made man, da pessoa que constrói sua trajetória de maneira isolada, alicerçadas numa pretensa segurança de um estado de “bem-estar” coletivo.

Para Raworth, no entanto, isto nada mais é do que “um penoso retrato da humanidade”: sozinha, sem dinheiro no bolso, uma calculadora em sua mente, o ego em suas mãos e a natureza a seus pés”.

Ainda, a autora nos diz que, quando somos confrontados com essa imagem e nos reconhecemos nela, passamos ser ainda mais individualistas. Contudo, ela defende que os seres humanos possuem capacidades que lhes permitem ir muito além disso: prezamos pela reciprocidade, interdependência e proximidade às pessoas, podendo nos integrar aos sistemas à nossa volta de maneira harmônica.

Isto dito, seria hora, portanto, de a teoria econômica levar em consideração esta necessidade de integração e começar a propor alternativas para que estes atributos se desenvolvam e funcionem no sentido de gerar prosperidade e bem estar às pessoas.

5 – Compreender o funcionamento dos sistemas: do equilíbrio mecânico à complexidade dinâmica

Neste capítulo, a autora afirma, em sentido figurado, que a economia vem sofrendo há muito tempo de inveja crônica da física. E por quê? Segundo ela, no século XIX, os economistas, maravilhados com os insights de Isaac Newton no que diz respeito às leis cunhadas por este para descrever os movimentos, caíram na tentação de tentar descobrir leis semelhantes na economia. Isto, segundo Raworth, não existe.

Se isto fosse verdade, por exemplo, o que dizer de economistas que, fiados na teoria do equilíbrio dos mercados, não foram capazes de prever a tormenta que tomou conta das bolsas em 2008, quando bolsas de valores quebraram em cadeia e bancos de investimentos tradicionais – como o Lehman Brothers – foram à falência?

A economia deste século deveria simplesmente desistir de modelos prontos e aceitar que a complexidade faz parte da natureza da economia. Ao aceitar que esta, como ciência humana que é, é dinâmica, é possível ter novos insights para compreender cenários como aqueles que ensejaram a ascensão do 1% da população mundial que detém a maior parte das riquezas no mundo e o efeito dominó sofrido pelos mercados na última década.

Nas palavras de Raworth, “é hora de pararmos de procurar por alavancas enganosas de controle (que simplesmente não existem) e começar a administrar a economia como um instrumento em constante evolução”.

6-Projetar para Distribuir: do “reequilíbrio pelo crescimento” a uma concepção distributiva

Aqui, a autora discorre sobre desigualdades. Em uma lógica que, no Brasil, se eternizou no imaginário popular na figura do ex-ministro da fazenda Delfim Netto, é preciso as coisas piorarem antes de melhorar, ou “é preciso o bolo crescer para que seja distribuído (ainda que o ex-parlamentar insista que jamais tenha dito esta frase)”.

Na lógica neoliberal, a austeridade econômica teria como efeito colateral previsível o aumento das desigualdades sociais, mas que ao final do ciclo geraria as riquezas não apenas para anular este inconveniente como também promover bem estar social.

Raworth, no entanto, considera essa lógica um erro, um fracasso de um modelo que esgota pessoas e recursos naturais em prol de um crescimento que não resulta, em última análise, em prosperidade para ninguém.

A economia do século XXI precisaria, portanto, reconhecer que os mercados deveriam atuar como “distribuidores de valor”, indo da redistribuição de renda pós-crescimento à pré-distribuição, promovendo condições para que as pessoas possam gerar a riqueza de forma colaborativa.

Ao empoderar as populações neste processo, a produtividade aumenta sem gerar efeitos colaterais como problemas de saúde, desnutrição, acesso insuficiente à educação e bem-estar, os quais ensejam perdas econômicas que travam o real desenvolvimento das sociedades.

7 – Criar para regenerar: de “o crescimento limpará tudo de novo” a uma concepção regenerativa

Um dos grandes debates atuais está em torno da sustentabilidade do meio ambiente contra o desenvolvimento econômico compulsivo, os quais seriam agentes irreconciliáveis do processo histórico deste século e, por isto, estão destinados ao constante conflito.

Recuperando a lógica do capítulo anterior, uma economia não gerará prosperidade sem antes desgastar o meio-ambiente para, em seguida, promover as medidas para regenerá-lo. E, novamente, isto é um equívoco, segundo Raworth.

A degradação ambiental nada mais é do que o resultado de um modelo econômico-industrial falido, onde a preservação dos ecossistemas não passa de uma promessa vaga e distante.

E uma vez que a economia estaria integrada a sistemas interdependentes, seria preciso adotar outro modelo de progresso, não linear, mas circular, cosonante com os ciclos naturais da Terra.

Ser agnóstico em relação ao crescimento: de viciado em crescimento a agnóstico em relação ao crescimento

 

Neste capítulo, de forma apoteótica, Kate Raworth sintetiza sua tese ao questionar o paradigma do crescimento pelo crescimento. As economias do mundo se fiam extensivamente na expansão do PIB, como se este pudesse crescer ininterruptamente.

No entanto, não é este o cenário que se verifica, haja visto que boa parte das economias mais maduras do mundo chegaram a um platô evolucionário, onde as taxas de crescimento, em alguns casos, é abaixo de 1%.

Isto acontece, segundo a autora, porque foram projetadas para simplesmente crescer, independentemente se fazem as populações prosperar ou não. O resultado: gargalos como fome, poluição ambiental, problemas de logística, aquecimento global e baixa qualidade de vida que geram perdas econômicas que neutralizam o lucro bruto oriundo do crescimento.

Assim, a filósofa propõe um novo pensamento, onde as pessoas seriam “agnósticas” (para não falar céticas) em relação ao crescimento.

Para ela, a lógica deve se inverter: economistas deveriam pensar em modelos que gerassem prosperidade independentemente se há crescimento do PIB ou não. Em outras palavras, o crescimento pelo crescimento não é sustentável, pois enseja efeitos colaterais que inutilizam os excedentes produzidos, levando a crises e contradições.

 

Ficha técnica: 

Título: Doughtnut Economics – Seven Ways to Think Lik a 21st-Century Economist

Autora: Kate Raworth

Resenha: Rogério H. Jönck

Imagens: Reprodução e Unsplash

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