O modelo de eficiência escalável, que até então deu conta dos resultados das organizações, já não faz mais sentido em um mundo com constantes e profundas mudanças. É o que defende o pensador e consultor do Vale do Silício, John Hagel. Ele é fundador e copresidente do Deloitte LLP’s Centre for the Edge, um centro de pesquisa baseado no Vale do Silício com filiais em Amsterdã e Melbourne. Além disso, faz parte do time de lideranças do Fórum Econômico Mundial e do Instituto Santa Fé, e atua no corpo docente da Singularity University.
Leia a seguir entrevista exclusiva concedida por John Hagel ao Experience Club.
1- Quando falamos sobre o futuro do trabalho, afinal, estamos falando de qual modelo? Para onde estamos caminhando?
O futuro do trabalho é um tema que muito se fala hoje em dia. E um dos tópicos que têm despertado muita atenção é se as máquinas irão tomar o trabalho dos humanos. Outra questão bastante presente neste momento é se o trabalho remoto será o futuro. Da minha perspectiva, as pessoas não estão olhando a questão de uma forma mais ampla, como quais são as forças que estão ressignificando a nossa economia e a nossa sociedade que irão moldar de fato esse futuro do trabalho. É preciso olhar para este contexto global. Esta reflexão pressupõe um desafio, já que o futuro nos traz tantas incertezas. Por outro lado, há um futuro previsível se considerarmos algumas tendências. Estamos num estágio inicial de mudanças profundas que irão afetar não somente a forma como as organizações operam, mas governos, escolas e instituições no geral.
[Hagel defende que estamos passando por uma grande mudança do modelo de eficiência escalável para um modelo de aprendizagem escalável]:
2- Qual você diria que devem ser as principais preocupações das empresas, atualmente e para as próximas décadas?
Precisamos realmente questionar o modelo de eficiência escalável, que pressupõe que as tarefas sejam setadas e executadas da mesma forma, independentemente do contexto. Em um mundo em que as transformações ocorrem de forma muito mais acelerada em comparação ao último século, em que eventos extremos nos acometem sem aviso prévio, este modelo de especificar minuciosamente e de padronizar cada tarefa, se torna cada vez mais ineficiente. Os trabalhadores estão se deparando com situações que não estavam previstas nos manuais até então. Eu fiz uma pesquisa com empresas públicas nos EUA considerando o período de 1965 até hoje, na qual eu questionei a curva de performance nas entregas. O que foi possível constatar é que o retorno em todas as empresas diminuiu em 75%. É uma mensagem poderosa de que o modelo de eficiência escalável se tornou cada década menos eficiente.
3- É possível conciliar o trabalho em equipe e ainda sim manter a competitividade saudável entre os colaboradores na busca por melhor desempenho?
Em um mundo de crescente pressão por performance e aumento da competitividade, as organizações e instituições que irão prosperar serão aquelas com capacidade de mobilizar terceiros que possam apoiar os seus esforços e, ao mesmo tempo, seus próprios recursos humanos para atingir seus objetivos. No contexto de mudanças rápidas, todos nós precisaremos aprender mais rapidamente. E se focarmos apenas nas pessoas em nossas organizações, não iremos ser bem sucedidos em nosso propósito. Há uma frase famosa de um empreendedor do Vale do Silício que diz mais ou menos assim: não importa o quão inteligentes são as pessoas dentro da sua organização, apenas lembre-se que há pessoas mais inteligentes fora dela. Então, se realmente abraçarmos esta ideia, seremos capazes de conectar pessoas não somente em transações de negócio, mas também para aprendermos mais rápido e chegarmos a respostas para os problemas. Essas serão as empresas que irão criar mais valor e irão prosperar.
4- Em um cenário em que teremos que aprender cada vez mais rápido, como criar uma cultura de aprendizado que de fato funcione dentro das organizações?
Em primeiro lugar é preciso esclarecer um ponto. Muitas vezes quando falo sobre aprendizagem, as pessoas do mundo dos negócios fazem uma ligação automática com programas de treinamento. Eles têm o seu valor, mas em um mundo em constante e acelerada transformação, temos que pensar em como criar conhecimento. O que sabemos hoje, rapidamente se torna obsoleto, e aí que está a questão. Uma cultura de aprendizagem se faz top-down, é preciso que haja uma mudança na forma de pensar a liderança. No modelo de eficiência escalável, o líder é aquele que tem as respostas para tudo. No futuro que estamos criando, os líderes eficientes são aqueles que têm as perguntas mais impactantes e que pedem ajuda.
[Aqui, Hagel questiona o que motiva a ideia de lifelong learning dentro das organizações e como criar um ambiente engajador voltado ao aprendizado]
5- Como as organizações podem ajudar seus funcionários a encontrarem suas motivações, paixões e propósitos?
No modelo de eficiência escalável, a paixão é algo suspeito. Pessoas apaixonadas não se limitam aos scripts, assumem riscos, estão sempre questionando e se desafiando. Então, é preciso reconhecer que a paixão é um componente fundamental para impulsionar o aprendizado de forma mais acelerada. Alguns acreditam que nem todos perseguem a sua paixão, que existem pessoas que simplesmente preferem que lhes digam o que fazer. Eu acredito que todos nós temos um potencial para desenvolver as nossas paixões. Gosto de um exemplo de como isso pode ser feito dentro das organizações. A Toyota em uma de suas plantas fabris desafiou seus trabalhadores a descobrirem problemas que até então não tivessem sido identificados, esse seria a partir de então o seu trabalho mais importante. Além de encontrar o problema, buscar soluções conjuntas para eles. O resultado da experiência foi incrível, já que os trabalhadores passaram a ter a percepção de que eles de fato eram peças importantes daquela engrenagem e podiam fazer a diferença. É apenas uma ilustração que mostra que é preciso mudar o ambiente para sacar de dentro das pessoas as suas paixões e motivações. No fim do dia, este é o futuro do trabalho: identificar problemas não perceptíveis e endereçá-los de forma a criar mais valor para a organização. E este pensamento deve se estender a toda a companhia e não apenas se manter dentro dos laboratórios de pesquisa e inovação.
6- Por que de certa forma perdemos as nossas paixões e a capacidade de imaginação quando nos tornamos adultos?
Muitas pessoas parecem não ter paixão, criatividade ou imaginação. A minha proposta para este tipo de afirmação é: vamos a um parque observar crianças de 7, 8 anos brincando. Todos nós temos esses elementos em nós. Então, o que aconteceu? Nós fomos à escola e lá fomos ensinados que deveríamos ouvir os professores, escrever e memorizar. As dúvidas e a curiosidade deveriam ser deixadas para o momento do playground ou para serem levadas para casa. Esta forma de pensar a educação tem uma razão, que é formar pessoas para ingressarem no mercado de trabalho, em fábricas e grandes instituições moldadas a partir do modelo de eficiência escalável, no qual todo o processo é especificado. O resultado disso é que entendemos as nossas paixões como distrações que deveriam ser deixadas de lado.
7- Qualidade de ambiente de trabalho é algo que foi muito pautado pelo Vale do Silício, e que obviamente vai além de escritórios confortáveis e com videogame. Para você, qual é o principal elemento para a construção deste ambiente mais saudável?
No contexto de facilities, é preciso pensar em espaços comuns em que as pessoas possam se reunir para conversar, discutir e se engajar. Mas, o mais importante é pensar na cultura da organização e qual é a mensagem que está sendo passada para os funcionários e quais são as medidas de um trabalho bem-sucedido.
[Hagel traz alguns exemplos de como construir um ambiente de trabalho mais colaborativo e mais saudável]
8- Você coloca a saúde mental como um dos fatores mais importantes no desenvolvimento dos trabalhadores, agora e nas próximas décadas. Qual é o papel das instituições nisso?
O fato de que as empresas estarem falando sobre saúde mental é um indicador da pressão que está sendo criada neste modelo de mundo de eficiência escalável, no qual você espreme cada vez mais as pessoas para que elas trabalhem duro e tragam resultados mais rapidamente. O resultado disso é o aumento do estresse e do sentimento de medo. Expressar este sentimento é visto como um sinal de fraqueza, então as pessoas tendem a esconder. As empresas que vão além do discurso acerca da preocupação com a saúde mental são aqueles que se questionam porque as pessoas estão adoecendo naquele ambiente. O ponto é: remover os motivos que causam o estresse versus tratar os sintomas.
9- Como você vê o contexto atual do trabalho, considerando uma organização que pode dispor de talentos em todo o mundo, em um híbrido de home office, escritório, nômades digitais etc. É possível moldar a cultura de uma empresa a partir deste lugar?
Eu vejo um problema aqui. Muitas companhias partem da seguinte premissa: onde no mundo eu vou encontrar o funcionário mais barato para fazer determinado trabalho. Ou seja, a lógica é cortar gastos e aumentar a eficiência. Essa lógica de fazer as coisas prejudica o verdadeiro potencial de uma força de trabalho global e criativa pautada pela diversidade. Há um desperdício de valor para as empresas, no fim das contas.
10. Para os trabalhadores, os soft skills já são tão importantes quanto o conhecimento técnico? Você acredita que as empresas valorizam os soft skills como deveriam?
Em primeiro lugar, eu faço uma distinção entre habilidades (skills, em inglês) e aptidão (capability, em inglês). Para mim, habilidades criam valor em atividades específicas. Elas têm seu valor mas em contextos muito específicos. Já as aptidões têm valor em todos os contextos. Quando eu falo de aptidões eu me refiro à imaginação, curiosidade, criatividade, empatia. Essas são coisas que têm valor em qualquer lugar, com exceção de um mundo pautado pela eficiência escalável, no qual os ‘hard skills’ são os mais valorizados. Se valorizarmos a lógica do aprendizado mais rápido no ambiente de trabalho, a criatividade, a curiosidade e a imaginação são elementos indispensáveis.
Texto: Luana Dalmolin